A Comissão Europeia deu início nesta quarta-feira (3) ao processo de ratificação do acordo comercial com o Mercosul, um marco ambicionado há anos. No entanto, a iniciativa enfrenta um obstáculo significativo: a relutância da França, que levanta preocupações sobre os impactos no seu setor agrícola. A aprovação final do tratado de livre comércio exigirá o aval dos 27 países membros da UE e do Parlamento Europeu, tornando o caminho pela frente complexo e incerto.
Este primeiro passo crucial, a adoção pelos comissários europeus, precede o envio formal do acordo aos Estados-membros e eurodeputados nos próximos meses. A tramitação ocorre em um momento delicado na França, com o governo enfrentando uma possível moção de desconfiança já na próxima semana. Essa crise política interna adiciona uma camada extra de complexidade às negociações.
Bruxelas demonstra pressa em concluir o acordo, almejando um consenso entre os 27 países até o final de 2025, aproveitando a presidência rotativa do Brasil no Mercosul. O pacto promete impulsionar as exportações europeias de automóveis, máquinas e bebidas alcoólicas para Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Em contrapartida, facilitaria o acesso de carne, açúcar, arroz, mel e soja latino-americanos ao mercado da UE, gerando apreensão em alguns setores agrícolas europeus.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, defende o acordo como “benéfico para todas as partes, com vantagens significativas para os consumidores e as empresas” de ambos os continentes. Contudo, desde a conclusão das negociações em dezembro do ano passado, os sindicatos de agricultores europeus têm manifestado fortes críticas, temendo a concorrência desleal e o enfraquecimento da produção local.
A França, consistentemente contrária ao projeto, teme uma ameaça à sua produção de bovinos, aves, açúcar e biocombustíveis. O principal sindicato agrícola francês (FNSEA) intensificou a pressão, apelando ao presidente Emmanuel Macron para defender os interesses nacionais. Para apaziguar as preocupações francesas, a Comissão Europeia poderá anunciar um adendo ao tratado, reforçando as cláusulas de salvaguarda para os “produtos agrícolas sensíveis”.
O Executivo europeu se comprometeria a intervir caso o acordo cause prejuízos a determinados setores. Do ponto de vista jurídico, o aditamento não exige uma renegociação com os países do Mercosul, mas os europeus terão que justificar a decisão aos parceiros latino-americanos. A extrema direita francesa já denuncia uma possível “traição” caso Macron mude de postura, enquanto a extrema esquerda convoca uma “mobilização geral” contra o tratado, que considera uma “imposição”.
O acordo Mercosul-UE também possui defensores na Europa, como a Alemanha, que busca novos mercados para suas empresas, especialmente diante do retorno de Donald Trump à Casa Branca e da imposição de tarifas sobre produtos europeus nos Estados Unidos. Segundo Bruxelas, o acordo permitirá aos exportadores europeus economizar mais de 4 bilhões de euros anuais em tarifas na América Latina.
A complexidade do processo reside no fato de que, embora a França não possa bloquear a parte comercial do acordo individualmente, ela pode reunir uma “minoria de bloqueio”, necessitando do apoio de pelo menos quatro Estados que representem 35% da população da União Europeia. Resta saber se a França conseguirá articular essa oposição e qual será o futuro deste ambicioso acordo comercial.



