Em uma decisão que gerou controvérsia, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, requisitou a análise pessoal de um processo que poderia incluir a JBS Aves na controversa “lista suja” de empregadores que submetem trabalhadores a condições análogas à escravidão. Documentos obtidos pela Reuters confirmam a medida, que surpreendeu fiscais do trabalho e especialistas jurídicos. A ação levanta preocupações sobre possível interferência política em um mecanismo crucial no combate ao trabalho escravo no Brasil, em vigor há mais de duas décadas.
A investigação que culminou na possível inclusão da JBS na lista teve início após uma operação federal em 2023. A operação revelou que dez trabalhadores de uma empresa terceirizada, contratada para serviços de carga e descarga em uma unidade da JBS Aves no Rio Grande do Sul, estavam submetidos a condições degradantes. As condições de trabalho incluíam jornadas exaustivas e alojamentos precários.
De acordo com o relatório dos auditores fiscais, os trabalhadores enfrentavam jornadas de até 16 horas diárias, sem acesso a água potável e alojados em condições insalubres. Além disso, foram constatados descontos ilegais nos salários, impedindo os funcionários de pedirem demissão. Apesar de a JBS ter rescindido o contrato com a terceirizada ao tomar conhecimento das denúncias, os fiscais entenderam que a empresa deveria ser responsabilizada pela falta de diligência na garantia de condições de trabalho adequadas.
A “lista suja”, criada em 2003, é um instrumento fundamental no combate ao trabalho escravo no Brasil. Empresas incluídas enfrentam um período de monitoramento de dois anos e sofrem restrições no acesso a financiamentos públicos e privados. Segundo especialistas, a inclusão na lista gera um significativo desgaste reputacional.
Diante da decisão dos fiscais, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu um parecer que abriu caminho para a avocação do caso pelo ministro do Trabalho, considerando a relevância econômica da JBS. O parecer ressaltou a “repercussão econômica e jurídica de ampla magnitude, com reflexos no setor em nível nacional” de uma eventual inclusão na lista. A decisão de Marinho de retirar o processo para revisão pessoal é considerada inédita em mais de 20 anos de existência da lista suja, segundo especialistas.
A medida provocou reações negativas entre fiscais do trabalho e entidades da área. Renato Barbedo Futuro, presidente da Agitra, classificou a medida como motivo de “profunda estranheza e preocupação”. Livia Miraglia, professora de direito do trabalho da UFMG, alertou para o risco de a intervenção encorajar outras empresas a buscarem interferência ministerial em situações semelhantes, enfraquecendo o combate ao trabalho escravo.
Em comunicado, a JBS afirmou que adota “tolerância zero” com violações trabalhistas e de direitos humanos, destacando a suspensão imediata do contrato com a empresa envolvida. O Ministério do Trabalho informou que o processo segue em análise, e a AGU não se manifestou até o momento.



