Contencioso Trabalhista: De Passivo Oculto a Ativo Estratégico na Gestão Financeira

Por muito tempo, o contencioso trabalhista foi encarado como um fardo inevitável, um passivo a ser monitorado e minimizado. No entanto, essa visão limitada impedia as empresas de perceberem o potencial estratégico da litigiosidade, capaz de transformar provisões em decisões inteligentes e fortalecer a governança corporativa.

Hoje, em um cenário onde investidores e órgãos reguladores demandam previsibilidade e transparência, a gestão das contingências se tornou um indicador crucial da maturidade empresarial. A área jurídica, em colaboração com controladoria, auditoria e compliance, oferece uma visão integrada de riscos e oportunidades, impulsionando uma mudança fundamental.

A norma CPC 25, em convergência com o padrão internacional IFRS, revolucionou essa abordagem. Agora, não basta apenas lançar valores no balanço; é essencial justificar as probabilidades de perda com base em evidências consistentes. Esse rigor aumenta o nível de transparência e exige uma documentação robusta para sustentar as informações divulgadas ao mercado.

Na prática, empresas que analisam grupos de ações trabalhistas com altas taxas de improcedência conseguem ajustar suas provisões com segurança, liberando capital antes imobilizado. Além disso, a análise das causas das demandas, como políticas internas desatualizadas ou falhas em procedimentos de RH, fornece informações valiosas para mitigar riscos futuros.

Sob o CPC 25 e IFRS, o desafio não se limita à contabilização, mas também à qualificação, revisão e ajuste consistente das provisões. Essa abordagem estratégica, que alinha o jurídico com as finanças, pode melhorar a liquidez, fortalecer o EBITDA e aumentar a previsibilidade para investidores e credores.

Fundos e analistas já avaliam a forma como as empresas gerenciam suas contingências. Em processos de “due diligence”, ajustes inesperados de provisão podem inviabilizar fusões, aquisições ou emissões no mercado de capitais. Portanto, o tratamento do contencioso deixou de ser um detalhe técnico para se tornar um fator central na atratividade e no “valuation” da empresa.

Em carteiras trabalhistas de grande volume, a conexão entre o jurídico e a contabilidade se torna ainda mais crítica. Inconsistências na classificação de risco podem inflar as provisões em milhões, distorcendo o EBITDA, pressionando acordos bancários e comprometendo o “valuation” em operações de M&A.

A calibração adequada exige a integração do jurídico e da controladoria por meio da jurimetria de êxito. Isso significa usar dados históricos de decisões, como taxas de improcedência e reversões, para parametrizar as probabilidades. Essa prática aumenta a precisão dos cálculos, libera capital e fortalece a credibilidade da empresa.

Para o CFO, as contingências impactam o rating de crédito, o acesso a financiamentos e a narrativa financeira da empresa. Os Conselhos de Administração, por sua vez, exigem relatórios que conectem o risco jurídico a métricas tangíveis, como previsibilidade de caixa e reputação perante os stakeholders.

Nesse contexto, um departamento jurídico bem estruturado traduz a complexidade dos litígios em linguagem financeira, dialoga com auditores e reforça a credibilidade das informações. Isso reduz a probabilidade de ajustes inesperados e fortalece a confiança do mercado.

A integração entre o jurídico e a auditoria, tanto interna quanto externa, é fundamental. Compartilhar metodologias de cálculo, premissas de risco e critérios de clusterização fortalece a posição da empresa e evita fragilidades que podem comprometer operações estratégicas.

Empresas que integram governança e contencioso transmitem maturidade ao mercado, demonstrando preparo para gerenciar riscos de forma transparente, reduzir a volatilidade e antecipar ajustes. Esse alinhamento, que se estende aos escritórios de advocacia parceiros, garante que todos falem a mesma língua, reforçando a credibilidade das demonstrações financeiras.

“Será que os parceiros externos das companhias estão preparados para entregar relatórios que dialoguem com o board e com o mercado?”, questiona o autor, evidenciando a necessidade de uma mudança de mentalidade. O provisionamento, embora observe o CPC 25 e o IAS 37, requer conhecimento contábil aprofundado, domínio sobre o comportamento da carteira e capacidade de acompanhar mudanças decorrentes de análises preventivas.

Cada ajuste impacta os números da empresa e, por isso, deve ser visto como uma ferramenta de gestão que antecipa riscos e projeta consequências. É nesse processo que o contencioso trabalhista se consolida como um ativo estratégico de governança, sustentabilidade financeira e geração de valor.