Adultização Digital: Viralização, Legislação e o Impacto Inevitável nas Empresas

Um vídeo viral detonou uma onda de mudanças sem precedentes. Em agosto de 2025, o influenciador Felca expôs o controverso “Algoritmo P”, alegando que este impulsionava a sexualização de crianças nas redes sociais. A denúncia, que alcançou milhões de visualizações em tempo recorde, inflamou a opinião pública e desencadeou investigações que levaram à prisão de figuras como Hytalo Santos, marcando um ponto de inflexão na discussão sobre a adultização digital.

Esse fenômeno, caracterizado pela exposição precoce de crianças a padrões adultos de comportamento e consumo, ganhou nova dimensão com a ascensão das redes sociais. O caso Felca demonstrou o poder catalisador do conteúdo digital, transformando críticas e humor em políticas públicas e ações judiciais em tempo recorde.

A repercussão foi imediata. Audiências públicas foram convocadas na Câmara, reunindo especialistas, parlamentares e representantes de plataformas digitais. No dia seguinte, o Senado aprovou o PL 2628/2022, o “PL da Adultização”, estabelecendo novas responsabilidades para os fornecedores de serviços digitais.

“Não se trata apenas de criar filtros ou controles parentais”, observou um analista político. A nova legislação impõe uma reformulação do design das plataformas, priorizando a segurança. Entre as exigências, destacam-se mecanismos de monitoramento eficazes para os responsáveis, a proibição de perfis infantis expostos à publicidade segmentada e restrições ao uso de tecnologias avançadas direcionadas a menores.

A transparência algorítmica emerge como um pilar fundamental. As plataformas agora são obrigadas a detalhar como o conteúdo chega ao público infantojuvenil e a prestar contas sobre seus critérios de recomendação. Essa medida amplia a responsabilidade das empresas, que passam a ser cobradas não apenas pela remoção de conteúdo ilícito, mas também pela prevenção estrutural de riscos, exigindo governança, compliance e relatórios periódicos de segurança digital.

Para as empresas, o cenário exige cautela redobrada. Associar campanhas, patrocínios ou influenciadores sem uma avaliação criteriosa dos riscos de exposição pode gerar repercussões negativas e responsabilidades jurídicas em cascata. A integração com políticas públicas se torna crucial, com a proteção da infância sendo compartilhada entre Estado, sociedade e empresas.

Como equilibrar liberdade de expressão e proteção da infância? Quais são as brechas nos algoritmos opacos? Até que ponto as empresas podem ser responsabilizadas por práticas automatizadas que expõem riscos sociais previsíveis? A adultização, no entanto, transcende a tecnologia, sendo um fenômeno cultural pré-existente, intensificado pela lógica das redes sociais. A exposição precoce compromete o desenvolvimento integral, desafiando a efetividade das normas do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição Federal.

Marcas, anunciantes e plataformas digitais precisam redobrar a atenção em suas campanhas e estratégias de marketing. Não basta cumprir a lei, é preciso prevenir riscos reputacionais. Patrocínios, campanhas segmentadas, parcerias com influenciadores e ações de marketing devem ser avaliados sob critérios sociais, culturais e regulatórios, além dos comerciais.

O caso Felca demonstrou que a viralização pode redefinir a percepção de práticas em questão de dias. Em um ambiente digital de reação imediata, a prevenção é essencial para proteger a reputação e os ativos financeiros. A adultização digital deixou de ser pauta exclusiva de especialistas, tornando-se um vetor de políticas públicas, regulações emergenciais e riscos empresariais diretos.

A omissão acarreta custos éticos, jurídicos e reputacionais. As empresas devem tratar esse fenômeno como parte de sua governança de riscos. Incorporar análises preventivas em campanhas, revisar políticas de publicidade e estabelecer protocolos de compliance digital são medidas essenciais para transformar desafios em diferenciais competitivos. A proteção da infância é uma responsabilidade compartilhada, e a governança digital pode ser um diferencial competitivo em um mercado cada vez mais sensível à agenda ESG.