Paciente recebe diagnóstico de possessão e receita de mantras em hospital

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Matéria de Banda B

Ao procurar atendimento em uma unidade municipal de saúde do Rio, um paciente em surto psiquiátrico recebeu o seguinte diagnóstico: possessão espiritual.

O receituário, que a médica responsável não assinou, prescreve repetir 108 vezes um mantra recorrente na ioga –uma filosofia de origem indiana que se manifesta por meio de meditação e atividade física, seguindo uma sequência de posturas.

“Ohm Namah Shivaya – 108 vezes. Ho opono Pono. Asatoma Mantra”, é possível ler na receita recomendada no CER (Coordenação de Emergência Regional) da Barra da Tijuca, zona oeste carioca.

“Ohm Namah Shivaya” é um mantra que evoca Shiva, um dos mais importantes deuses do hinduísmo. “Ohm”, por sua vez, é uma das entonações mais importantes deste e de outros credos e representaria o som universal.

Já 108 não é um número gratuito: trata-se da quantidade de contas do japamala, um cordão usado na ioga para ajudar a entrar no estado meditativo.

O caso foi relatado nas redes sociais por Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes.

“Desde a semana passada, uma pessoa da minha família está em surto, ficou cinco dias sem dormir, fala sem parar coisas sem sentido etc. Ontem ela visitou a segunda psiquiatra em três dias. O diagnóstico? Possessão espiritual”, tuitou o pesquisador no dia seguinte ao atendimento.

Nunes continua: “O deboche é tanto que a psiquiatra preencheu um receituário com os mantras que meu parente deveria recitar para ‘se livrar do espírito’. Não receitou remédio e muito menos assinou o receituário de mantras”. Hospital municipal, sob gestão de @MCrivella”.

Marcelo Crivella, o prefeito da cidade, enfrenta uma crise na saúde municipal. Somada a deficiências graves nas esferas estadual e federal, o Rio de Janeiro passa por um de seus períodos mais críticos na área.

O pesquisador acrescenta depois que cita Crivella “não pelo fato dele ser evangélico, mas por suas reiteradas mostras de incompetência no trato da gestão da saúde”. Sua família toda, diz, é evangélica como o prefeito, que é sobrinho do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus.

“Se a psiquiatra receitasse orações seria tão escandaloso quanto os mantras”, afirma. Procurado pela Folha de S.Paulo, Nunes disse que não gostaria de falar mais sobre o assunto, pois a família quer preservar a pessoa em tratamento psiquiátrico. Ela já está sendo atendida em outro centro médico.

O CER da Barra informou, por sua vez, que “a profissional citada [o nome não foi revelado]avaliou a paciente e a medicou para o quadro que apresentava”. Uma sindicância será aberta para apurar a conduta da psiquiatra, diz a nota enviada à reportagem pela assessoria de imprensa da SMS (Secretaria Municipal de Saúde).

“No CER, os pacientes da Saúde Mental recebem tratamento conforme preconizado pela SMS. Nenhum profissional está autorizado a seguir outras linhas de tratamento da psiquiatria que não seja o estabelecido no protocolo da Superintendência de Saúde Mental da SMS.” Os mantras receitados não fazem parte desse protocolo.

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