Hoje vou me dirigir diretamente a você leitor. Ontem, eu tive que furar a quarentena um pouquinho para ir buscar uns remédios na farmácia, já estava de noite quando saí. Eu moro em Londrina, mas como todos sabem, sou de Jaguapitã.
Londrina sempre foi uma cidade que me intrigou, mas ontem me deixou triste. Eu estava voltando para casa depois de sair da farmácia e parei no sinaleiro do contorno da JK com Higienópolis.
Quando me dei conta, vi um homem. Descalço, de shorts e camiseta, ele carregava uma placa que dizia: “fome. Obrigada quem puder ajudar”. Rapidamente, eu olhei para o banco do passageiro, onde estava minha carteira junto com os medicamentos que tinha comprado. Lembrei, “só estou com o cartão”.
A minha segunda reação foi de querer pegar o celular e tirar uma foto. Já fazia algum tempo que não via cenas como essa na cidade. Mas não o fiz, não queria expor ele em lugar nenhum. Voltei para casa e aquela imagem continuou me incomodando. Segui com os meus afazeres, mas continuava pensando naquilo.
Foi então que tentei invocar a minha memória. Eu sabia que não era somente a situação em que o rapaz se encontrava que estava me incomodando, nem mesmo o modo que não pude ajudá-lo. Recordei.
Nessa rotatória, há três faixas para os carros, eu estava na terceira e conseguia ver os outros dois carros que estavam do meu lado. Um deles, estava sozinho com o cachorro cantando, não deu a mínima para o que estava ali na frente dele. No outro carro, só consegui ver a passageira com um cachorrinho também, ela estava conversando com o motorista e sequer olhou para o lado.
Nesse mesmo lugar, eu já cobri algumas manifestações. É uma localização conhecida na cidade, sabemos. Agora, a rotatória também abriga moradores de rua, com fome em meio a uma pandemia e ao que parece, o descaso não é só do Estado, mas assim como do povo.
O homem estava bem vestido apesar de estar descalço, isso me intrigou também. Como jornalista, eu quis conversar com ele, mas não dava. Ele estava longe de mim e do carro. Como pessoa, eu engoli o choro e as lágrimas que estavam aparecendo e vim embora. Mas ainda lembro claramente da expressão no rosto dele, um misto de medo com tristeza. Ao redor dele, ninguém o viu, parece que somente eu e não consegui ajudá-lo. O retrato da pandemia no Brasil – e falta de caridade junto – está em qualquer lugar, até dentro de nós.