Decisões Judiciais apontam pela inconstitucionalidade do artigo 26, § 2º, da Reforma da Previdência e afastam o percentual de 60% na Aposentadoria por Incapacidade Permanente

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A reforma da previdência foi realizada através da Emenda Constitucional 103/2019, e, no seu artigo 26, § 2º, reduziu a Aposentadoria por Incapacidade Permanente, antiga Aposentadoria por Invalidez, de 100% para 60% da média das contribuições do segurado, alterando, significantemente, a regra de cálculo da RMI (renda mensal inicial) desta modalidade de benefício previdenciário.

Assim, após 13 de novembro de 2019, toda concessão relativa ao benefício de Aposentadoria por Incapacidade Permanente, restou pautada no valor correspondente a 60% da média aritmética simples dos salários de contribuição no PBC, limitada ao valor máximo do salário de contribuição ao regime geral da previdência social (teto previdenciário), com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição para os segurados homens ou 15 anos de contribuição para as mulheres.

Pela redação da reforma, foram excepcionados os benefícios decorrentes de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho (art. 26, § 3º, inciso II, da EC 103/2019), mantendo-se para estes o valor da RMI (renda mensal inicial) em 100% da média aritmética simples dos salários de contribuição.

A Emenda Constitucional 103/2019, também não alterou a renda mensal inicial (RMI) do benefício de auxílio-doença, hoje benefício por incapacidade temporária, que continua sendo de 91% do salário de benefício, limitado à média aritmética simples dos últimos 12 salários-de-contribuição, nos termos dos arts. 61 e 29, § 10, da LBPS.

O artigo 26 da EC 103/2019 foi assim redigido:

Art. 26. (…) será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição (…), correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência.

§ 2º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 60% (sessenta por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º, com acréscimo de 2 (dois) pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 (vinte) anos de contribuição nos casos:

III – de aposentadoria por incapacidade permanente aos segurados do Regime Geral de Previdência Social, ressalvado o disposto no inciso II do § 3º deste artigo; (texto diminuído)

Diante de tantos descompassos, mudanças nas leis, e inobservância do legislador, hoje, um o segurado acometido por uma incapacidade mais “branda”, faz jus a um salário de benefício 31% maior que um segurado acometido por uma incapacidade mais severa.

Até mesmo o titular de uma aposentadoria por incapacidade permanente, com o acréscimo de 25% previsto no art. 45 da Lei 8.213/91, recebe, após a reforma da previdência, um salário-de-benefício inferior ao do titular de um benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) que, por princípio, tem uma incapacidade de menor grau limitante.

Tem-se, portanto, uma Emenda Constitucional notoriamente inconstitucional, pois afronta diversos princípios jurídicos constitucionais, além de ofender a própria Constituição e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

A despeito de tamanha incongruência causada pela reforma da previdência, várias decisões judiciais são no sentido de declarar a inconstitucionalidade do artigo 26, da EC 103/2019 e conceder o benefício de Aposentadoria por Incapacidade Permanente em 100% da média contributiva.

A fundamentação das decisões judiciais está sendo pautadas na violação de vários princípios constitucionais, como por exemplo:

1) Ao princípio da igualdade, uma vez que a mudança da forma de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente significa uma perda de renda do segurado da previdência que está incapacitado permanentemente para o trabalho, exceto nos casos de incapacidade decorrente de acidente do trabalho, doença profissional e doença do trabalho.

2) Ao princípio da isonomia, vez que há uma discriminação em relação ao benefício de aposentadoria por incapacidade permanente decorrente ou não de acidente do trabalho, doença profissional e doença do trabalho, visto que embora a natureza seja a mesma, qual seja, a incapacidade permanente, a forma de cálculo é divergente e menos vantajosa.

3) Ao princípio da proporcionalidade, dado que nenhuma garantia constitucional dispõe de valor absoluto e até supremo, exterminando outra garantia de valor e grau equivalente. Portanto, a instituição do artigo 26, parágrafo 2º, inciso III da EC 103/2019, ocasionou uma aniquilação da renda percebida pelo segurado e uma limitação de seus direitos sociais assegurado pela Constituição Federal.

4) Ao princípio da razoabilidade, visto que não é razoável, no atual ordenamento jurídico, propiciar maior proteção social aquele que se encontra incapacitado em menor grau em face daquele atingido por contingência social mais gravosa.

5) Falha no dever de proteção ao segurado deficiente (atingido por impedimento de longo prazo, por uma incapacidade definitiva para o trabalho), uma vez que empresta ao cálculo de benefício índice significativamente inferior a outros. Esse fato pode obstruir a participação plena e efetiva do segurado deficiente na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas, e esmaga o princípio do “igual acesso” ao direito à aposentadoria, previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Em linha de conclusão, embora, diversas decisões judiciais venham entendendo pela inconstitucionalidade do artigo 26, parágrafo 2º, da EC 103/2019, tal tema ainda será discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), para que só após ocorra uma pacificação. Mas o alerta já foi dado, e os segurados devem ficar atentos aos seus direitos tanto na concessão da aposentadoria, quanto para a sua revisão.

Renata Brandão Canella, advogada.

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